Cineclube Polytheama

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Beleza Americana (American Beauty)

O objetivo deste blog é discutir os filmes exibidos no Cineclube Polytheama, de forma que coloco meu comentário como se as pessoas, que o lerem, já os tivessem visto.


Beleza Americana (American Beauty – EUA – 1999 – 121 min.) Dir.: Sam Mendes, Elenco: Kevin Spacey(Lester Burham), Anette Bening(Carolyn Burham), Thora Birch(Jane Burham), Wes Bentley(Ricky Fitts), Mena Suvari(Angela Hayes), Peter Gallagher(Buddy Kane), Chris Cooper(Coronel Fitts), Allison Janney(Barbara Fitts).

Vou tentar fazer uma análise deste filme sem grande profundidade. Comecemos com o título do filme “American Beauty”, que é o nome de uma rosa, que aparece ao longo de todo filme, que não tem espinhos nem cheiro, mas de aparência belíssima. Quando você vê no cinema qualquer rosa, você a vê com espinhos mas que nunca vão lhe machucar, você não sente o seu odor, mas você o imagina, e já aí, se você não é avisado, o filme lhe engana, pois aquelas lindas rosas são na realidade como se fossem falsas.

Resumindo o filme:
Os personagens: Lester Burham é um jornalista frustrado que há 15 anos escreve baboseiras para uma revista, é casado com Carolyn, uma corretora de imóveis com grandes pretensões, que cuida da casa com todo esmero e tem um jardim cheio de american beauties; a filha deles, Jane, odeia o pai, acha-o um imbecil que quer transar com todas as suas amigas; seus vizinhos: do lado esquerdo mora um casal de homossexuais que aparentemente vivem muito bem e do lado direito, uma nova família está se mudando para lá: o Coronel Fitts, fuzileiro naval, que é exatamente a figura como se imagina um “mariner”, violento, nazista e cheio de frustrações; Bárbara, sua esposa, uma mulher catatônica que está sempre ausente de tudo que está acontecendo e o filho Wes, que estuda no mesmo colégio de Jane, que tem mania de filmar tudo que vê. Mais dois personagens são importante na história: Angela Hayes, colega de escola de Jane, que quer ser modelo e se acha linda e sedutora e Buddy Kane, o empresário bem sucedido no ramo de corretagem.

Agora vou falar como vejo estes personagens:
Lester é um homem de meia idade, que está revoltado com a vida que leva, com frustrações em todas as áreas, odeia o trabalho que está há longo tempo fazendo, pois o acha imbecil. Seu casamento é um fracasso, já não tem nenhuma vida afetiva com a esposa, sua filha não o tolera e não tem diálogo com ele.
Carolyn é uma mulher executiva que tem como objetivo ganhar dinheiro, que se interessa pela casa e pela família de forma protocolar, tudo tem que estar no lugar certo, na hora certa. Seu tesão é com o poder.
Jane é uma adolescente que está em crise com a família, se sente abandonada pelos pais e odeia principalmente o pai que sempre está sempre de olhos em suas amigas. Gostaria de matá-lo, trabalha como baby sitter, economizando o dinheiro.
Coronel Fitts é um fascista com idolatria ao 3º Reich, sua família tem fazer tudo que ele determina. Anulou a mulher, que aparece no filme sempre em estado catatônico, procura controlar todos os passos de seu filho Wes e o trata a base da porrada.
Wes é um adolescente traficante e viciado em drogas, tem aparência de bom moço, mas já ficou interno um tempo em um colégio por consumo de droga, trabalha como garçom nas horas vagas, para dar a impressão que consegue desta forma dinheiro para manter seu hobby, que é filmar tudo que vê. É um voyeur.
Angela Hayes , colega de Jane, é uma jovem loura, que se diz com uma grande experiência em sexo, transa com muitos homens, inclusive cita que, se deseja seguir a carreira de modelo tem que transar com os fotógrafos e produtores de moda, se não for assim nunca conseguirá subir. Lester está doido para leva-la para cama, ela notou e o incentiva na conquista.
Buddy Kane é o ídolo de Carolyn. Homem realizado, bonito, ela o levará para cama, sem compromisso nenhum, só pelo tesão do poder.

Não se pode falar que estes personagens são típicos somente do “american way of life”, a meu ver toda a sociedade do mundo ocidental tem estes personagens e até são comuns em uma sociedade capitalista. Esta enorme introdução do meu comentário é para dizer que mesmo usando o cenário do subúrbio típico de uma cidade americana, o inglês Sam Mendes analisa vários males desta sociedade .

O filme, “Beleza Americana” começa citando o “Sunset Blvrd.”, de Billy Wilder: o morto narra o filme, neste William Holden faz o papel de um escritor, que se vende para escrever a biografia de uma atriz do cinema mudo que hoje, na velhice está afastada das telas e no final é assassinado por ela. Kevin Spacey faz também de certa maneira o papel de um escritor fracassado, mas ele é “mais vivo” quando descobre que estão a fim de despedi-lo da redação de uma revista, que trabalha há muito tempo, chantageia o novo diretor e pelo seu procedimento após a demissão, nota-se que teve êxito.

Sam Mendes em “Beleza Americana” procura mostrar a solidão dos personagens dentro da estética de Edward Hopper, grandes espaços com poucos personagens, visão solitária através de janelas e cenários sempre frios.

A trama mostra como cada um destes personagens são desprezíveis: Jane que deseja matar o pai e pede ao namorado Wes para matá-lo estando até disposta a pagar U$ 3.000,00 para isto. Ângela canta Lester mas na hora se declara virgem e tudo que tinha dito antes era mentira e este por covardia desiste de possui-la. Wes trafica drogas caras e tem muito dinheiro guardado, engana o pai, fingindo obedecer todas as suas ordens. Carolyn, transa apaixonadamente com Buddy e tem aulas, com ele de tiro, em uma academia. O Coronel Fitts é uma bicha enrustida que quer transar com Lester.

Sam Mendes tenta em todo filme mostrar o difícil relacionamento entre eles. Lester depois que saiu da redação se interessa pelo ao culto ao físico, para conquistar as garotinhas, fuma droga, trabalha escondido da família como atendente de uma lanchonete, mas quase sempre está só, seu relacionamento com Wes é exclusivamente para compra de droga; Buddy e Carolyn mantém um relacionamento clandestino, que é de repente descoberto por Lester, que aparentemente não liga; o relacionamento entre Wes e o pai chega ao fim e ele quer ir embora para Nova York com Jane, onde tem contatos com traficantes; Cel. Fitts, quando é rejeitado por Lester que agora sabe o seu segredo, se desespera e o mata, mas tanto Carolyn quanto Jane poderiam o tê-lo feito.

A interpretação de todos os atores é brilhante, certamente pela direção de Sam Mendes com grande experiência em dirigir teatro; a fotografia de Conrad L. Hall é perfeita, além da cor, os enquadramentos foram cuidadosamente estudados, podemos citar o encontro de Wes e Lester fora da festa, a mesa de jantar com pai, mãe e filha, Jane retirando a blusa na janela, a vista superior do bairro no outono, que até pode parecer um cemitério e muitas outras. As músicas foram muito bem selecionadas. São ótimos as duas cenas de Lester e Carolyn cantando cada um em seu carro, como é dramática a cena do assédio do Cel. todo molhado pela chuva que pegou para ir até a garagem.

A meu ver os personagens que participam da trama são todos canalhas e garanto que muita gente se identificou com algum deles.

Não vejo nenhuma cena do filme gratuita, todas tem importância na trama. O final foi filmado da mesma maneira dos “Boas Vidas” de Fellini: neste filme, quando Moraldo vai embora, Fellini filma como se o trem passasse dentro dos quartos e salas das casas dos amigos que deixava na cidade. Sam Mendes também em travelling paralelo mostra o que as pessoas da casa fazem na hora que escutam o tiro que mata Lester. Mas a meu ver ele não foi assassinado ali, ele já estava morto, como uma grande quantidade de pessoas que não sabem, mas que estão mortas também.

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

O PÂNTANO ( La Ciénaga)

“O Pântano” (La Ciénaga – Argentina – 2001 – 103 min.) Dir.: Lucrecia Martel (14/12/1966). Com: Gabriela Borges (Mecha), Mercedes Móran (Tali), Martin Adjenián (Gregório), Silvia Baylé (Mercedes), Leonora Balcarce (Verónica), Andrea López (Isabel).

Inicialmente vamos tentar localizar o povoado La Ciénaga: existe um povoado com este nome na província de Catamarca, ao noroeste da Argentina, situada a mais de 1200 km de Buenos Aires. A cidade mais próxima é Belém a 25 km, situada em uma região de muitos charcos (ciénagas), perigosa para animais, como o gado. Lucrecia Martel é da região (Salta, província acima de Catamarca). O povoado do filme pode ser esta ou uma cidade imaginária nesta mesma região, quase fronteira da Bolívia.

Faremos inicialmente um resumo da história do filme, e depois entraremos em detalhes. A história se passa em um mês de fevereiro, úmido com muita chuva, no carnaval, próximo ao início das aulas. Mecha mora ou passa um tempo em seu sítio “La Mandrágora”, que o explora com uma plantação de pimentões vermelhos, com o marido que pinta o cabelo, 3 filhos e 2 empregadas. Está sempre cercada de amigos e bebe o tempo todo. Sua casa é grande, tem uma grande piscina que está sempre muito suja, não permitindo banhos, mas todos ficam em torno dela. Sua prima Tali, mora em um povoado perto do sítio, em uma pequena casa ao lado tem vizinhos com cachorros barulhentos, com seu marido é atencioso e 4 filhos. Junto com Mecha faz planos para irem comprar material escolar e outras coisinhas mais, na Bolívia.

Mecha sempre bêbada logo no início sofre um acidente, cai quando levava vários copos vazios e fere o seu colo. Na hora, nenhuma das pessoas que estavam perto foi socorrê-la. Seu filho mais velho José, que vive em Buenos Aires com Mercedes amiga de sua mãe e da prima Tali, ex-amante de seu pai, que vende os pimentões vermelhos produzidos em La Mandrágora, é avisado do acidente e vem rápido para “La Mandragora”

A chegada do filho e o acidente de Mecha em nada modifica na rotina da casa, e as brincadeiras continuam. Mecha continua bebendo e falando que Isabel, a empregada mais nova, está roubando roupa de cama e mesa; planejando com Tali a viagem a Bolívia; vendo na TV a historia do aparecimento da Virgem em uma caixa dágua. As crianças caçam com armas de fogo no bosque do sítio, onde uma vaca ficou presa em um charco. Chove muito, mas todos saem para a cidade para brincar carnaval. José briga e é ferido no nariz. É mais um com cicatriz, pois o filho mais novo Joaquim, tem que fazer uma operação na vista que perdeu em um acidente de caça, o outro tem cicatrizes no rosto. Durante um bom período é mostrada a rotina das pessoas no sítio: estão deitadas, dançando, tomando banho de chuveiro, ou em uma represa, em uma pescaria e etc.

Isabel vai embora, por livre e espontânea vontade, para tristeza de Verônica (Vero) filha do meio de Mecha; José tem que retornar a Buenos Aires e o marido de Tali , frustra a viagem das primas à Bolívia, comprando todo material escolar na Argentina por um bom preço. Luciano (Luchi) brinca na pequena área cimentada de casa e ao subir em uma escada para ver o cachorro do vizinho cai, quando pisa no último degrau que se quebra. Agora os jovens estão à beira da piscina como estavam os mais velhos no início do filme.

A beleza do filme é pela maneira como Lucrecia Martel desenvolve esta historia. Inicialmente vamos falar da fotografia, com cores quentes que representam tão bem a América Latina. Quase todo o filme é feito com câmara média, onde se podem ver rostos com cicatrizes, peles rolando sobre as camas, sem sexo, algumas vezes até sugerindo relações incestuosas entre irmãos, mas nada concretizado. O roteiro foi bem desenvolvido, para retratar uma situação em que, em grande parte do filme não nada acontece, mas cada cena é importante. Na primeira cena é mostrada a indiferença das pessoas com a queda de Mecha; na chegada de Tali ao sítio, ela quebra uma corrente com cadeado, para abrir o portão; a filha de 15 anos sem carteira que tem pegar o carro, a mando do pai, para ir ao hospital; a caça das crianças em local pantanoso; as cenas de TV mostrando o aparecimento da Virgem em uma caixa d´água para uma judia, em uma única vez, mas que virou o fato importante do país; o marido de Mecha, Gregório, é expulso do quarto porque tinge os cabelos e suja as roupas de cama; a pesca de bagre na represa é com facões, em uma divertida brincadeira; Vero está há quatro dias com o mesmo maiô sem tomar banho; a piscina está com água imunda pois as bombas e filtro quebraram a muito tempo e ninguém se preocupou em concertar. Achamos que não é necessário detalhar mais cenas.

Vamos falar um pouco como vemos o filme. A história se passa no interior da Argentina atual, com todas as suas crises econômicas, onde tudo é difícil, como vender pimentões ou comprar material escolar, tudo está degradado, como um terreno alagadiço, onde as pessoas tem andar com muito cuidado para não atolar. A relação entre as pessoas é superficial e vazia até entre as de uma mesma família e nada acontece que possa modificar este estado, não existe nem um diálogo profundo e carinho entre as pessoas, só Vero que tenta isto com Isabel, que vai embora com o namorado, esta é a única que tenta modificar a sua vida. As pessoas na Argentina ficam preocupadas com fatos sem importância, como o aparecimento duvidoso da Virgem em uma caixa d´água.

Neste estado podemos ver, um país típico da América Latina, onde as leis não são respeitadas, como a direção sem habilitação de uma adolescente instruída pelo pai que fala; “Porque você ainda não tirou carteira?” E ela responde: “só tenho 15 anos”. As crianças com armas de fogo, a ida à Bolívia para contrabandear algumas coisinhas. Tudo isto vemos acontecer também aqui no Brasil, principalmente no interior, onde nada é mesmo respeitado, principalmente se for de uma família regional importante. Tudo é permitido.

A morte de Luchi em um acidente poderia modificar, mas nada muda e os mais jovens estão seguindo os mesmos passos dos mais velhos, arrastando as cadeiras como estes faziam em volta da piscina.