Cineclube Polytheama

sexta-feira, junho 06, 2008

Sessão 29/05/2008

Elogio do Amor (Éloge de L'amour - França - 2001 - 95 min.) Direção: Jean-Luc Godard. Com: Bruno Putzulu, Cecile Camp, Jean Davy, Françoise Verny, Audrey Klebaner, Jérémie Lippmann, Claude Baignières, Remo Forlani, Mark Hunter




Sinopse

O filme é dividido em duas partes distintas, produzidas em meios diferentes. A primeira foi filmada em 35mm preto e branco. Nela é narrada a história de um diretor de cinema, Edgar, interpretado por Bruno Putzulu, que está a procura de atores para seu próximo projeto que mistura elementos de ópera e literatura. Ele encontra uma faxineira argelina e lhe oferece o papel principal, mas ela estranhamente recusa.

Já a segunda parte, produzida em vídeo digital colorido, mostra o que Edgar fazia dois anos antes: ele investigava a vida de um membro da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial a ser entrevistado por Steven Spielberg para um documentário sobre as vítimas do holocausto. Ele acompanha as negociações entre o assistente do diretor americano e a família do herói.
Mesmo sem uma narrativa linear, Elogio ao Amor aborda quatro temas: o encontro, a plenitude física, a separação e a reconciliação, a partir da vida de seus vários personagens. Há também uma dura crítica aos Estados Unidos e ao tipo de cinema feito em Hollywood.
Comentário

Só chamaremos atenção para o nome do filme que erradamente se chamou no Brasil "Elogio ao Amor", o título original é "Éloge de L'Amour", pois o elogio é para o amor a alguma coisa, e não somente a palavra amor. Aqui no filme Godard frisa que é o amor a qualquer coisa, como a vida, a Paris, as artes plásticas, a literatura, ao cinema e também ao amor.

Para este filme reproduziremos uma entrevista dada pelo Godard a Michèle Halbertstadt, realizada em 03 de abril de 2001, sobre este filme, publicada no site da Atalanta filmes.


Como é que nasce um filme? O que surge primeiro? Uma imagem, um som?

— Primeiro surge uma missão que corresponde a uma idéia ou a um estado de espírito meu. É uma missão que eu inicio. Tento dar a mim próprio , e à outra pessoa o desejo de fazer um filme. Às vezes sugiro um assunto. Às vezes começa com uma idéia que consigo descrever em poucas linhas e que é bem recebida. Naturalmente há algumas artimanhas envolvidas, como há em tudo que está relacionado com a produção. E finalmente torna-se uma maçada , porque aí estamos presos. O que surgir mais tarde tem que se ajustar a proposta inicial e o produtor começa a queixar-se de fazermos alterações. E não percebe como é que se pode ter uma idéia tão atraente e depois se torna impossível de realizar.

No caso deste filme, o que surgiu primeiro?

Aqui, foi o título. Tinha uma vaga idéia de ter um título. Tinha em mente algo a que geralmente se chama de história de amor: a minha idéia era relatá-la contra-cronologicamente. Alguma coisa dessa idéia permanece. Pensei em começar com o fim, e depois, quatro dias antes, depois seis meses antes, um ano antes, e por aí em diante, e concluir com o início. Injetei alguns elementos de thriller mais tarde, mas revelou-se desastroso, um pesadelo. Depois surgiu a idéia de tratar de casais. Mas nessa altura já todos os contratos tinham sido assinados há algum tempo.

Naturalmente, há sempre algum estratagema envolvido, mas não só. É como o pintor que parte para a floresta ou para a praia. Ele irá pintar eventualmente uma paisagem ou uma marinha. Mas o importante é que ele parte. E a idéia é suficientemente forte para o fazer continuar.
Então pensei nestes três casais, mas quase imediatamente tropecei nos adultos. Comecei com uma história irracional e no final pensei que eu não conseguia, ninguém conseguia descrever um adulto. Os adultos só põem ser tratados sob uma forma de história. Na rua não dizemos lá vai um adulto. Dizemos lá vai o Paul e lá vai Fabienne ou ali vai um assassino louco. Contamos uma história. Com os outros, jovens e idosos não é necessário.

O mesmo se pode dizer da pintura. Quando temos um quadro de um adulto, ele é um jogador. Só o romance é que consegue ser bem sucedido. O Vermelho e o Preto, Os Irmãos Karamazov, não são apenas pequenas historietas, como os fillmes da Julia Roberts, são sim histórias verdadeiras.

Outros realizadores diriam exatamente o contrário:"Não tenho nada a dizer sobre gente nova ou velha, mas com um adulto tenho uma história para contar."

Sim isso é verdade, mas eu sempre escolhi fazer o que os outros não estão a fazer. "Ninguém faz isto, portanto permanece sem ser feito, vamos experimentar". Se já está a ser feito, não faz qualquer sentido eu fazer também.

Há uma certa perturbação em ser adulto...

Sim, poderia escrever sobre um filme dizendo que: é a história de alguém que se torna adulto. Aliás o assistente diz isso mesmo:"Ele é o único a tentar tornar-se adulto."


Por que é que filmou o presente a preto e branco e o passado a cores?

Não queria tratá-lo cronologicamente. Tendo em conta a minha idade, inclinava-me mais para um filme narrativo, que acontece através de Eglantine e outros. Tinha de transmitir este sentimento. Por isso pensei que seria mais apropriado trabalhar contra a idéia geralmente aceita de mostrar o presente a cores e o passado a preto e branco, como nos noticiários. Pelo contrário, queria encontrar uma maneira de intensificar o passado.

É isso que dá a impressão de que o passado ilumina o presente?

Não, acho que a cor está mais próxima de nós porque é o presente da projeção de um filme, emocionalmente falando. Sempre gostei dos romances de Proust. Quando ele fala de Albertine no imperfeito, o leitor sente como sendo no presente. Especialmente em adolescente.

Não filmava Paris há muito tempo, desde Masculin Feminin.

Mesmo antes disso, lembrava-me as primeiras produções da Nouvelle Vague. Era legal filmar nos exteriores, nas ruas nos cafés. Mas nós queríamos filmar aí, não só porque ainda não tinha sido feito, mas especialmente por razões emocionais. Eram locais que nós amávamos, onde passávamos o nosso tempo.

E já passou muito tempo desde que vimos Paris desta maneira virtualmente intemporal.

A cidade de paris de ELOGIO DO AMOR é uma Paris moderna. Há algo de intemporal nela, porque o seu passado está lá. Não vê Paris há muito tempo porque Paris já não é usada como um elemento cinematográfico. Não há muitas pessoas a usar o cenário onde estão a filmar como um elemento do filme. Nos dias de hoje, se filmamos um carro a passar numa rua parisiense, é, por exemplo, Thierry L´Hermite que está a guiar, e leva o carro para visitar Sandrine Bonnaire. As coisas não são filmadas só por si. O diretor de exteriores nem sequer vai inspecionar o cenário, manda um assistente.
Para o ELOGIO DO AMOR, dissemos: temos de ter Montparnasse, e a ilha de Seguin porque eu queria que a rapariga vivesse nos subúrbios. Queria que ela fosse a pé para casa e que houvesse um caminho entre os dois para que ela e o rapaz tivessem tempo para conversar.


Mas a escolha da ilha de Seguin não foi inocente?

È algo acabado, os despojos de outra era, que já não vamos ver depois de Pinault a pintar de novo... a imagem permite-nos ressuscitar coisas sobre as quais já não pensamos. É história. O cinema também é sobre isso. O passado atrás do presente. O fundo do presente. O jovem fala da fortaleza vazia. Em 1968 intitulavam-na a fortaleza dos trabalhadores... Voltamos muitas vezes atrás, mesmo à medida que avançamos.

O filme trata de vários tipos de resistências. A resistência dos nossos avós, a resistência à América, e, é claro, a sua realização resiste...

Sim, o ato artístico é um ato de resistência contra qualquer coisa. Não o chamaria um ato de liberdade, mas um ato de resistência. O nascimento de uma criança é um ato de resistência. Ela tem de começar a andar muito naturalmente. Os animais também têm que começar a andar ainda mais rapidamente que os humanos.

Temos dificuldade em saber coisas sobre a resistência da 2ª Guerra Mundial.
Regressa cerca de meio século depois com tempo suficiente para saltar a geração dos pais. Mais tarde desaparece dos livros de estudo e da memória das pessoas. Senti-me sempre absorvido pela metade do século passado, pela 2ª Guerra Mundial, que foram os anos de minha inocente adolescência e da qual me senti culpado mais tarde.
Emmanuel Astier disse um dia que houve um breve momento no início da resistência no qual o dinheiro não era um fim mas um meio. Consigo compreender isso. Se quando fazemos um filme, conseguimos criar algo, e o dinheiro é um meio e não um fim, então isso é produção, se é genuíno. Depois vêm os outros setores, que em França todos merecem os seus nomes. A linguagem descreve claramente os três períodos: produção, distribuição e exibição. Em Hollywood, já não há mais produção, só resta a distribuição, que está dependente da exibição e da transmissão televisiva. Em televisão não há mais produção, exceto algumas bolsas de tempos em tempos, alguns eventos desportivos ou entrevistas. Além disso, dizemos programas de vida selvagem e não produção de filmes sobre a vida selvagem.Falamos de uma estação de televisão como falamos de uma cadeia de distribuição de alimentos. Quando produtores como Darryl Zanuck e Louis B. Meyer faziam 40 filmes por ano, não estavam a fazer filmes numa linha de montagem. Hoje em dia é muito difícil. Os anúncios de carros da Renault dizem as coisas como elas são. Antigamente diziam fabricantes de automóveis. Hoje dizemos criadores de automóveis.


ELOGIO DO AMOR é um filme mais sereno do que os anteriores.

Isso deve-se à idade e também um bocado ao contato que tenho com os netos da Anne-Marie (Méville). Somos dois sócios que estão nesta profissão jhá já muito tempo e que se mantém juntos.
Quando faço um filme o melhor momento para mim é quando estou à procura de uma pista, uma direção. Há possibilidades. Se só temos um ou dois amigos, é mais difícil. No passado, éramos mais e havia total confiança. Hoje em dia, como realizadores, as relações escasseiam um pouco. Mas ainda conseguimos. Temos o lado técnico, que pode ser tranqüilizador ou tortuoso, mas existe. É nosso. É um privilégio. Temos de o merecer, temos de fazer as coisas como deve ser.

Disse que colocar Godard na primeira página de um jornal prejudica seu filme.

Eu acredito nisso. Não vejo como pé que isso possa ajudar o filme. Não percebo porque é que põem a fotografia de Zidane na capa de uma revista de futebol em vez e porem a bola. Para mim quando falam de Godard, penso no meu pai. Chamava-se Godard, ou aliás, esse era o nome do seu pai.

Em Alphaville, alguém diz a Lemmy Caution:"Vais agüenta algo pior do que o inferno. Vais tornar-te uma lenda." Podemos dizer o mesmo de si?

Sim. O que me perturba nisso é a discrepância desta lenda, o que é mostrado de fora, e o que há dentro de mim.