quarta-feira, março 19, 2008

Sessão 20/03/2008




Lola (Lola - Alemanha -1981 - 115 min.) Direção: Rainer Werner Fassbinder. Com: Barbara Sukowa, Armin Mueller-Stahl, Mario Adorf, Matthias Fuchs, Helga Feddersen, Karin Baal, Ivan Desny, Elisabeth Volkmann, Hark Bohn, Rosel Zech,
Gunther Kaufmann

"Lola" é o antepenúltimo filme feito por Fassbinder antes de morrer, depois deste dirigiu em 1982, "Desespero de Verônica Voss" e "Querelle".

"Não sei narrar história alguma de modo não político, por mais engraçada que seja. Por princípio, eu recusaria isso para mim e meus filmes. Especialmente também para a época em que transcorre este filme. Foi uma época tremendamente política, a era de Adenauer".

"Maria Braun" e "Lola" não são filmes sobre o país tal como é hoje a Alemanha. Para compreender o presente, o que um país se tornou ou ainda se tornará, é preciso compreender toda a história ou tê-la utilizado."

Estas duas citações de Werner Fassbinder auxiliam bastante o entendimento de "Lola", simples e objetivo em sua narrativa, como diz em seu texto sobre o filme Aramis Millarch, crítico paranaense que faleceu em 1992.

Alemanha, outono de 1957. 12 anos depois da segunda guerra mundial, onde a Alemanha foi derrotada, Lola, uma sedutora prostituta e cantora de cabaré, orgulhá-se de ser uma conquistadora de homens. Quando conhece um respeitado funcionário público, ela fará de tudo para conquistá-lo e ascender numa sociedade, onde tudo e todos estão à venda.
Crítica ácida ao milagre econômico da Alemanha do pós-guerra, "Lola" é a homenagem de Fassbinder ao clássico O Anjo Azul (1930 - 13 anos depois da primeira guerra mundial onde a Alemanha também foi derrotada, e começa a crescer para o seu primeiro milagre), de Josef Von Sternberg, outro mestre do cinema alemão.

Comentário dos editores do Blog

Que é "Lola", é só um filme sobre a Alemanha da década de 50 do século passado?
Nós respondemos que não, é um filme sobre o comportamento do homem face uma reconstrução possível de um mundo desmoronado, mostrado por este anarquista romântico, como se intitulava Fassbinder.

Vamos tentar mostrar quem é este homem através de seus principais personagens que descreveremos abaixo:

Lola - interpretada por Barbara Sukowa, linda prostituda, cantora de um Cabaret, que namora um dos homens mais ricos e poderosos da cidade Schukert. Parece ter uma boa situação financeira, anda bem vestida, tem um carro esporte novo.

Von Bohm - interpretado por, Armin Mueller-Stahl, novo secretário de obras da cidade, rígido, correto, ex-soldado nazista que foi traído pela mulher enquanto estava no front . Simpático, com gestos simples e tem como hobby tocar em seu violino, concertos de Bach acompanhando uma orquestra que toca em um toca-disco. Pretendte transformar a cidade mais humana longe dos especuladores corruptos. Vive em sua casa um soldado americano e um cego, que não é cego.

Schukert - Interpretado por Mario Ardorf, é um construtor corrupto envolvido diretamente com o prefeito da cidade, teve origem humilde é casado com uma mulher de família tradicional, que aceita viver com ele pelo dinheiro que tem. È freqüentador assíduo do cabaret Vila Fink, mantém a cantora Lola, a mulher mais linda da cidade, como ele diz.

Esslin - Interpretado por Matthias Fuchs, durante o dia é assistente de Von Bohm, a noite é baterista do Vila Fink e cáften de Lola .

Volker - Interpretado por Hark Bohm, é o prefeito da cidade, que nomeou Von Bohm. Está comprometido com Schukert, é freqüentador do Vila Fink.

Wittich - Interpretado por Ivan Deany, é banqueiro, está em todas as reuniões na prefeitura e freqüenta também o Vila Fink.

Sra. Hettich - interpretada por , Helga Feddersen, secretária de Von Bohm, que é advertida por ele, em seu primeiro dia, pois seus hábitos são mais rígidos que o chefe anterior. Traz flores para o chefe. É de meia-idade e muito feia

Mãe de Lola - Interpretada por Karin Baal, é governanta de Von Bohm, é prussiana, perdeu o marido sargento do exercito russo na batalha de Stalingrado. Vive com Marie, uma criança bem morena filha bastarda de Lola com Schukert, é competente e adora o patrão.

Gl - Interpretado por Gunther Kaufmann, que na realidade era amante de Fassbinder, ele faz o papel de um sargento americano, que vive na Alemanha, mas não fala o idioma de lá, só inglês. É freqüentador assíduo do Vila Fink .Vive na casa de Von Bohm. Aparece várias vezes no filme mas sempre rapidamente quase sempre sem falar nada.

O filme conta a história de Lola, dentro da Alemanha de Adenauer , que aparece no filme em fotografia no início é sobre esta fotografia que é feita a apresentação do genérico. È o período da explosão do crescimento alemão, e da tentativa de esquecer a Alemanha nazista. É uma história de amor, de um senhor solitário que se apaixona por uma prostituta. Este amor entra em conflito interior pois este homem que pertenceu ao exercito pela Alemanha nazista, tem idéias rígidas, a favor da ordem, seriedade e progresso da nova República Federal da Alemanha. Quando nomeado novo secretário de obras da cidade, entra em seu gabinete para moralizar o serviço cheio de vícios. A história é batida, mas Fassbinder coloca esta história passada na segunda metade da década de 50 do século passado, em uma Alemanha corrupta. Seus personagens não são solitários, eles estão sempre reunidos, no Vila Fink, em recepções, em manifestações de rua, mas a grande maioria vive uma vida dupla tão comum nas sociedades capitalistas de hoje.

Mas vamos agora ao que interessa no filme, e analisaremos algumas passagens que podem passar despercebidas mas podem ajudar melhor elucidar o filme. Vejamos:
A primeira seqüência é o seguinte diálogo entre Lola e Esslin.

Esslin - "Aquele que não tem um lar, não deve construir um. Aquele que vive
sozinho deve continuar sozinho.
Lola - Porque só lê poemas tristes?
Esslin - A poesia é sempre triste
Lola - E por que? Porque não pode ser divertida?
Esslin - Porque vem da alma, e a alma é triste
Lola - É? A alma? E porque?
Esslin - Porque a alma sabe mais do que a mente. Por isso ela é triste.
Lola - Estranho. Comigo acontece exatamente o contrario. Para mim a mente
sabe mais que a alma.

Este diálogo é um resumo de como Fassbinder vê a arte.

A segunda é no banheiro masculino do Vila Fink, Schukert encontra Volker o prefeito que quer o encontro com uma determinada prostituta, mas pede que seja discreto pois não quer que as pessoas percebem que está lá. Os dois estão urinando enquanto conversam. Saem aparece Lola cantando, no salão as cores são sujas, a iluminação tem as cores mais diversas, vermelha, azul, verde, rosa até amarelo, aquele que é um mundo real, não parece ser, a realidade é fantasiosa.

Terceira seqüência, o prefeito, Schuckert e suas famílias, e a Srta. Hettich, saem de uma igreja. Em frente tem uma manifestação anarquista pela paz. Esslin está lá. Schukert sai do grupo e vai depositar um dinheiro para os manifestantes. Segue o seguinte dialogo:

Volker - O que significou aquilo Schukert
Schukert - Faço uma contribuição aqui e outra ali. Um empresário deve ter os
dedos em todos os lugares

Quarta seqüência, Lola visita a mãe que trabalha com o Sr. Von Bohm, falam sobre ele. A iluminação também aí deve ser observada, a seqüência começa na cozinha que está vermelha, saem para o quintal, mas o rosto da mãe de Lola continua num tom avermelhado.

Quarta seqüência, Von Bohn, entra em um prédio escuro e fecha a porta, vê operários de construção civil trabalhando, está risonho. Bate em uma porta onde está o porteiro e se estabelece o seguinte diálogo.

Von Bohm - Onde fica o escritório do Secretário de Obras?
Porteiro - Não tem sentido.
Von Bohn - O que quer dizer com isso?
Porteiro - Não faz sentido. Ele morreu há muito tempo (aparece aí o rosto do
porteiro que usa um óculos com uma lente branca e a outra escura)
Von Bohm - Sugiro que dê respostas precisas a perguntas precisas
Porteiro (sem olhar para Von Bohm) - No térreo vire à direita, primeira porta à
esquerda
Von Bohm - Sou Von Bohn, o novo Secretário de Obras.

O porteiro se levanta e bate continência como se fosse um soldado inferior.
E fala - Não tem ninguém lá ainda.

Quinta seqüência, Von Bohm entra em sua nova sala e encontra Srta. Hettich molhando as plantas espalhadas pelo escritório:
Von Bohm - Não tem nada melhor a fazer?
Srta. Hettich - A recepção só abre às 11:00.
Von Bohn - A recepção só abre às 11:00 expediente começa às 8:00 certo?
Srta. Hettich - A recepção só abre as 11:00, o expediente começa às 8:00

Continuam o dialogo de apresentação ele pede para ela chegar sempre um minuto antes dele. Tudo isto também em ambiente fantasioso, com luzes amarelas, paredes verdes , cenas filmadas atrás do vidro da porta para aproveitar os reflexos da luz , um ambiente triste.

Depois tem uma reunião onde o prefeito vai apresentar o novo Secretário de Obras, lá estão o banqueiro Wittich, Schukert, Esslin e também a Srta. Hettich sentados em torno de uma mesa. Fassbinder faz questão de juntar todos os grandes e os pequenos como se todos fossem membros de uma única equipe.

Acredito que olhando todos este detalhes do inicio, vá se descobrir muito mais em cada seqüência, as cores das peles, a divisão em cores dos espaços de um cenário como fotografia de apresentação deste texto onde aparece Lola e Von Bohm sentados no carro.

Fassbinder sempre dizia que a importância de um filme não é só o que se vê, mas o que se pensa depois de o assistir, é o mais importante. E todos os detalhes deste filme nos induzem a pensar no mundo em que ainda hoje vivemos.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caros Editores do Blog,
excelente a idéia de nos oferecer material antes de vermos o filme! Bem interessante destacar as características de cada personagem componente dessa reprodução da malha social, e alertar para particularidades da observação visual. Acho que vai enriquecer muito a experiência. Veremos hoje à noite!
(e que bom que vocês não contaram o final!)

quinta-feira, março 20, 2008  
Anonymous Anônimo said...

Sobre Lola quero acrescentar que Fassbinder além deste filme utilizou os outros dois da trilogia da Alemanha, para mostrar com sua visão, seu pais derrotado no pós guerra. Neste trilogia, ele apresenta três mulheres "Maria Braun", "Lola" e Verônica Voss.

A primeira é uma alemã que se casou na rua, deitada no chão quando o cartório em que estava casando é destruído por uma bomba, e que no final morre em uma explosão em sua casa, na hora em que a Alemanha se sagra campeã da copa de 1954.

Lola é uma polaca que nasceu em Gdansk , filha de um sargento polonês que morreu lutando contra a Alemanha, mas agora está feliz enquadrada na Alemanha lasciva e corrupta, o filme é passado na mesma época de Maria Braun.

Veronica Voss era uma grande atriz na época da Alemanha nazista, hoje é viciada em morfina, vive praticamente enclausurada em uma clínica que a quer destruir, assim como um casal de judeus velhinhos. Acaba sendo induzida ao suicídio, mas as pessoas que a induziram, a esta atitude estão muito bem, com todos os seus bens.

Fassbinder usa nesta trilogia usa 3 estéticas para mostrar a mesma Alemanha: em "Maria Braun" usa uma fotografia clássica, com cores frias, tudo é muito comportado; em "Lola", usa uma forma alegórica de mostrar a fantasia, explosão de cores, quase todos personagens sempre falsos, uma grande felicidade; já em Verônica Voss, a fotografia é em Preto e Branco, os personagens são sofridos, cenários sempre carregados, alguns com excesso de luz, como o da clínica onde fica Verônica Voss.

Pergunto a quem ler este comentário, existe no cinema algum exemplo mais forte de maneirismo? Três filmes, três mulheres e três estéticas diferentes para mostrar a mesma Alemanha pós guerra.

segunda-feira, maio 05, 2008  

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