segunda-feira, março 10, 2008

Sessão 06/03/2008




Almas Maculadas (The Tarnished Angels -EUA - 1958 - 91 min.) Direção: Douglas Sirk. Com: Rock Hudson, Robert Stack, Dorothy Malone, Jack Carson, Robert Middleton, Alan Reed, Troy Donahue, Alexander Lockwood, Robert J. Wilke, William Schallert. Baseado no romance Pylon (1935) de William Faulkner.

Na década de 1930, um Ás da pilotagem da Primeira Guerra Mundial chamado Roger Schumman (Robert Stack) foi reduzido a um mero piloto do circuito de acrobacias aéreas para exibição. A sua família é forçada a viver como cachorros, sem dinheiro ou atenção, enquanto Roger persegue a sua única verdadeira paixão: o avião. Quando Burke Devin (Rock Hudson), um repórter, aparece no circuito para realizar um daqueles especiais "Por onde andará... ?" com Schumann, ele sente repulsa pelas condições críticas e miseráveis em que o herói vive, e se sente inevitavelmente atraído por sua belíssima mulher: LaVerne (Dorothy Malone).

Comentário deste filme por R. W. Fassbinder

É o único filme em preto-e-branco feito por Douglas Sirk a que eu consegui assistir. É também o filme que ele fez com mais liberdade. E também com extraordinário pessi­mismo. O motivo partiu de uma estória de Faulkner, que eu infe­lizmente não conheço. Parece que a estória foi um pouco adultera­da por ele.

Este filme aborda. como "A Estrada da Vida" (La Strada de Federico Fellini), uma profissão perigosa, porém não é tão trágico. Robert Stack foi piloto durante a Primeira Guerra Mundial. Ele nunca quis fazer outra coisa senão voar, e agora trabalha num show de acrobacias aéreas. Sua mulher é Dorothy Malone, ela faz demonstrações de pára-quedismo. Eles vivem disso, com dificuldade. Robert é corajoso, mas não entende nada de motores, quem faz esta parte é o mecânico Jiggs, apaixo­nado por Dorothy. Dorothy e Robert têm um filho, com o qual, assim que Rock Hudson o conheceu, os outros aviadores brincavam: "Quem é seu pai? .. Jiggs ou...?" Rock Hudson é um jornalista que quer escrever algo sensacional sobre essa gente que, em vez de sangue, tem óleo-diesel nas veias. Os Shumans não têm casa no mo­mento e Rock Hudson convida-os para morarem com ele. Rock e Dorothy conversam todas as noites. Dá para se notar que eles têm algo para contar. Rock perde o emprego, um piloto sofre um aci­dente, Dorothy precisa se prostituir em troca de um avião, pois o de Robert estragou-se. Rock e Dorothy não têm muito mais a se dizer, Jiggs conserta o avião estragado, Robert pilota e morre, Do­rothy viaja. Rock recupera o emprego.

Grande fracasso. Esse filme é uma coleção de fracasses. Do­rothy ama Robert. Robert ama pilotar, Jiggs também ama Robert. Amará, talvez, Dorothy e Rock também? Rock não ama Dorothy, nem ela o ama. O filme mentiria, então, ao nos fazer acreditar que por um momento os dois poderiam pensar nisso...? E, no fim, Robert diz a Dorothy que depois desse' último vôo ele vai deixar de pilotar. Então, ele morre. Não se poderia mesmo imaginar que ele fosse se ocupar só de Dorothy.

A câmera, neste filme, se movimenta o tempo todo, assim como as pessoas. Na realidade, porém, está tudo no fim, e as coisas po­deriam ser deixadas tal como estão. O filme registra, além disso, oscilações e movimentos de câmera! Douglas Sirk trata seus perso­nagens com tal delicadeza e os inunda tanto de luz, que chegamos a ter pena deles e achar que alguém tem culpa de seu destino. A culpa é da solidão e do medo. Poucas vezes senti tão profundamen­te a solidão e o medo como neste filme. O espectador senta-se na platéia como o filho dos Shuman no carrossel, enquanto o avião de seu pai cai. A gente sabe o que está acontecendo, quer correr e ajudar, mas é preciso refletir: como pode um menino evitar que um avião se espatife contra o chão? Todos têm culpa da morte de Ro­bert. Por isto também, Dorothy Malone fica tão histérica. Ela sabia. . E Rock Hudson, ele queria um fato sensacional, e, quando o con­segue, desentende-se com seus amigos. E Jiggs, que não deveria ter consertado o avião, pára e se pergunta: onde estão todos? Sem notar que ninguém esteve ali. O que os seres humanos podem fazer, uns nos outros, este é o assunto do filme. E por que é necessário fazê-lo. Dorothy tinha visto um retrato de Robert, um cartaz em que ele aparece como piloto orgulhoso, ao se apaixonar por ele. Robert, na­turalmente, não correspondeu ao cartaz. O que fazer? Deverá al­guém dizer-lhe que seu amor por Robert não existe? De que adianta isto? A ilusão ajuda a suportar melhor a solidão.

Por favor. O filme, acredito, mostra que isto não é bem assim. Sirk fez um filme em que a ação se desenvolve permanentemente, em que a câmera se movimenta o tempo todo, e em que nós perce­bemos muito da solidão humana, o quanto ela nos faz mentir. E o quanto isto, mentirmos, é errado, é tolo.