quinta-feira, maio 01, 2008

Sessão 17/04/2008


Pinceladas de Fogo (Chihwaseon - Coréia - 2002 - 117 min.) Direção: Im Kwon-Taek. Com: Choi Min-sik (Jang Seung-up), Ahn Sung-ki (Kim Byoung-moon), Uou Ho-jeong (Mae-hyang), Kim Yeo-jin (Jin-hong), Son Ye-jin (So-woon), Han Myoung-gu (Lee Eung-hun), Jung Tae-woo (Jang Seung-up - jovem), Choi Jong-sung (Jang Seung-up - criança), Ki Jung-soo (Yoo-suk), Park Ji-il (Kwak Sung-min), Park Bum-kyu (Gae-Ddong), Hwang Chum-ha (Pan-soi), Na Byong-kyoung (Pang ManK-wan), Bae Tae-il (Oh Cheon-suk ), Lee Kuem-ju (Kim Byoung-moon's Wife), Lee Jung-hun (Song-hyun), Park Seung-tae (Mr. Go), Park Eun-a (Kisaeng), Lee Suk-koo (Potter), Sohn Yean-chi (Hai Bin)

Personagens principais Masculinos
Jang Seung-up (Ohwon)

Nasceu em 1843 e desapareceu sem deixar rasto em 1897. Viveu em tempos conturbados, mas mesmo assim conseguiu ser um homem livre, bebendo e pintando. Lutou para ultrapassar os seus limites enquanto artista. Foi batizado por Kim como Ohwon, em homenagem a dois grandes pintores.

Kim Byung-moon

Foi o mentor de Jang seung-up, a figura que mais se aproximou da de um pai. Foi um homem que acreditou na Reforma e no fim da corrupção do Governo. O acompanhou a vida inteira, na ifância tentou lhe tirar das ruas, na adolescência apresentando os mestres, e na fase adulta sempre discutindo o seu trabalho.

Hai Bin
Seu primeiro mestre, apresentado por Kiim Byung-up, quando reencontrou Jang Seung-up adolescente. . Kim o apresentou a este mestre com a seguinte carta: Este rapaz tem talento. As suas pinceladas são muito vigorosas! Talvez venha a revelar-se o grande artista que o senhor sonhou ser. Aceite-o como aprendiz." Ensinou-o a pegar um pincel. Como construir a estrutura de um desenho. Com ele ainda conheceu os clássicos e a tocar flauta.




Lee Eung-hun

Amigo de Kim, admitiu Jang Seug-up para trabalhar em sua casa, para que ele entrasse em contato com as coleções de arte chinesas que possuia. É irmão mais velho de So-woon. Levou o jovem pintor para ter aulas com o Mestre Hyang na Escola de Arte da Ponte.


Mestre Hyang (Yoo-suk)

Ensinou os princípios da pintura a Jang Seung-up. Mais tarde quando foi preterido em favor do discípulo ao inicio de uma pintura para um Governador. Pediu demissão da Escola criando revolta dos alunos contra Ohwon.




Nosso comentário começará decupando o início deste filme:


Em primeiro plano aparece um pincel pintando em uma folha de papel uma grande mancha negra. A câmara dirige-se para a mancha até escurecer toda a tela. Começa o genérico em letras azuis em cima do fundo preto. A apresentação dos créditos é toda em silêncio.
Corte.
Aparece em primeiro plano um prato de porcelana branco com tinta preta e uma mão molhando um pincel com
tinta.


Corte.
Câmara em plongé, por trás da cabeça de um pintor que trabalha uma tela.
Corte.
Em plano médio aparece o pintor em corpo inteiro ajoelhado pintando sobre uma tela estendida no chão, aparecem as mãos de algumas pessoas, que estão em volta dele. Ele é Jang Seung-up.
Corte.
Primeiro plano detalhando a pintura do quadro.
Corte.
Plano geral, mostra o pintor com toda uma platéia em volta. O pintor pede vinho, e continua seu trabalho.
Corte.
Em primeiro plano a câmara mostra outro detalhe do trabalho do pincel sobre a tela.
Corte.
Close-up do rosto de Jang Seung-up, Neste plano, Kwon-Taek fez questão de ressaltar a expressão dos olhos deste artista pintando sua tela.
Corte.
Primeiro plano rápido de um dos expectadores.
Corte.
As mãos de outro imitando os gestos das de Jang Seung-up..
Corte.
O rosto de outro, que parece estar maravilhado.
Corte.
A câmara filma por trás de um expectador Jang Seung-up pintando.
Corte.
Close do rosto de Jang de frente.
Corte.
Primeiro plano de um pincel pintando de uma grande mancha negra.
Corte.
Plano médio de Jang Seung-up cercado de pessoas que parecem estar embevecidas com o espetáculo que assistem. Jang levanta-se e a câmara o acompanha. Bebe vinho.
Corte.
A câmara está atrás de 2 espectadores de chapéus, no fundo abre- se uma tela pintada. E Jang Seung-up diz — Está pronto.
Corte.
A câmara desce mostrando em primeiro plano detalhes da tela pronta. Ao fundo ouvem- se os seguintes comentários:
— Mas que talento! Emana uma força divinal, como se fantasmas dançassem à sua volta.
— Ele cumpre as regras todas, mas pinta à margem delas. E estando para lá delas confirma-as.
Corte.
Rosto em primeiro plano de Jang Seung-up que diz:
— Uma pincelada são dez mil e dez mil são uma só. Essa conversa de regras não me diz nada.
Corte.
Câmara em primeiro plano mostra um grupo de espectadores, e um deles diz:
—Ah! Ah! Mas que tolo louco!
Corte.
Plano geral, em câmara fixa, mostra Jang Seung-up saindo do prédio onde estava a pintar e ouve-se o seguinte comentário.
— Como um mendigo nojento como tu questionar as regras da arte?! Esta confiança no teu vil talento será a tua perdição!
Corte.
A câmara em grua subindo mostra Jang Seung-up andando por uma rua de Seul, cheia de gente. Está nevando. A câmara mostra o telhado do casario da cidade e ao fundo cordilheira de montanhas.


No fundo se ouve a seguinte narração "Em 1882, no final da dinastia coreana de Chosun, infiltrados estrangeiros e um administração corrupta enfraqueceram o poder do povo e da nação. O pintor Jang Seung-ub viveu durante este período."

Corte.
Câmara em travelling enquadrando em plano médio da rua soldados japoneses passando em marcha.
Corte.
Entrada da casa de um aristocrata..

A seqüência seguinte na casa desse aristocrata vamos só reproduzir o dialogo que se estabelece.

Dono da casa dirigindo-se para Jang Seung-up:
—- Esperávamos-te. O Sr. Kaiura é japonês. Escreve para o "Diario de Hansung". Insiste em possuir um trabalho teu, portanto trouxe-o cá.
Sr. Kaiura fala em japonês é um interprete traduz para Jang Seung-up
— Ele admira-o muito e considera o seu trabalho magnífico. Ele ouviu dizer que gosta de vinho e trouxe este garrafão do Japão. Trata-se de um vinho raro que os diplomatas japoneses costumam beber no Japão.
Jang Seung-up — Agradeço o vinho. Mas como pode o trabalho dum mísero coreano, estar à altura dum império formidável como o Japão?
O dono da casa:
— Não te mostre tão arrogante! Qualquer artista está disposto a morrer por quem lhe reconhece talento. Sr. Kaiura admira simplesmente o teu trabalho.
Sr. Kaiura
— Queria perguntar-lhe uma coisa, mas tenho algum pudor. Constou-me que tem origens humildes. Como é possível que pinte tão bem?
Jang Seung-up
— Meu tolo amigo! Os gênios não se fazem: nascem assim mesmo!
e solta então uma enorme gargalhada.

Fizemos questão de descrever o roteiro do início deste filme de poesia como foi chamado na Inglaterra "Drunk on Women and Poetry" para que possamos descrever melhor como Im Kwon-Taek mostra a vida de Jang Seung-up.

A seguir faremos um pequeno resumo do filme a partir da seqüência acima descrita.


Kwon-Taek, nos leva a infância do pintor. É inverno, neva. Uma criança está sendo espancada, em um bairro pobre de Seul. Um senhor apanha-o e leva- o para sua casa: é o Sr. Kim, o ambiente é mais confortável, mas Jang Seung-up não fica muito tempo lá, foge roubando algumas roupas do filho do Sr. Kim, que comenta: "Não agüentou as regras rígidas de uma residência nobre".

Quando se torna adolescente, um certo dia, Sr. Kim entra em uma loja no subúrbio de Seul, para comprar papel, onde Jang Seung-up está trabalhando,. Papel está em falta, mas a loja está está cheia de painéis coloridos, todos eles pintados por Ohwon em troca de comida.

Este encontro com o Sr. Kim foi fundamental para vida de Ohwon. Que o leva para morar com um artista, Sr. Hai Bin, que lhe ensinará os segredos da pintura e da música, em troca de executar trabalhos braçais da casa. Com este professor apreendeu os clássicos.

Quando este seu mestre falece, Sr. Kim o apresenta outro aristocrata chinês, Sr. Lee para treinar seu olhar em sua coleção de clássicos, Sr Lee o aceita como servo. Sr. Lee trouxe recentemente da China o "Livro das meditações Chi" que aborda os mistérios do fluxo Chi e a forma como Chi perpassa os nossos cinco sentidos, determina a força da nação.

Nessa casa conhece a irmã mais nova do Sr. Lee, So-woom, que é muito doente, e descobre o amor. Passa olhar para So-woom como um sonho distante, devido à diferença social que os separam. No período nesta casa, passa a observar os detalhes da natureza; nas flores, nas pedras, nas teia, e nos pássaros.

Quando So-woom casa com um outro aristocrata, Jang Seung-up abandona a casa do Sr. Lee e passa ter vida própria. Bebe muito e vive em um pequeno quarto, consegue sobreviver vendendo cópias dos desenhos da coleção do Sr Lee que tinha memorizado. Mas este o encontra e reconhece o seu talento leva então Jang Seung-up para a Escola de Arte da

Ponte. Vai estudar com o Sr. Hyesan, um artista de renome.

Em 1866, o regente Daewon começa a perseguição aos católicos. Nove missionários franceses e 8 mil coreanos são decapitados.Jang Seung-up procura entre os decapitados uma amiga católica, Mae-hyang, que lhe disse: "todos são iguais aos olhos de Deus". Não a encontra e pensa "Tanto sonhaste em abolir a desigualdade na Coréia, para onde te retiraste agora tão desesperadamente?"





É chamado à casa do Sr. Lee para atender a um último pedido de So-woom, que está muito doente e que quer que lhe faça um desenho. Ao acabar o desenho, de uma garça, presencia a morte de So-woon que foi o seu primeiro amor, um amor platônico, pois nunca teve a chance de se aproximar e revelá-lo.

Depois da morte de So-woom, mesmo já sendo um pintor famoso se afasta da cidade e procura o campo. Charcos, plátanos coloridos, mar, bandos de aves e garças que alçam vôo, passa ser o seu habitat.

Depois de certo tempo, volta à cidade e encontra de novo Sr. Kim, que agora o batiza de Ohwon em homenagem a outros dois grandes pintores. Passa beber muito e trocar de mulheres, mas sempre volta para o campo, onde descobre a beleza das pedras, da neve, da água, e das árvores com seu complexo emaranhado.


Observa a chuva, as tempestades, cheias de trovões e relâmpagos, tudo é importante para o desenvolvimento de seu trabalho. Em certa ocasião tenta vender seus trabalhos para camponeses, mas eles não apreciam aquele tipo de pintura. Tem que roubar para sobreviver.

Anda de vila em vila, mas sempre retorna ao campo na procura de aperfeiçoar seu próprio estilo. Gostaria de não mais aceitar trabalhos por encomenda da aristocracia corrupta coreana, mas para sobreviver tem que continuar aceitando.
Durante toda a sua vida andou entre as cidades, cercado de mulheres e vinho e o campo, na mais perfeita solidão.

Andando pelo campo pensava "Estes vastos campos não alimentam o povo esfomeado e sim oficiais corruptos" De que servem então tantos cereais?" Nestas frases, Kwon-Taek coloca Jang Seung-up andando a cavalo e falando diretamente com a câmara. Isto é tão rápido que se torna difícil perceber de imediato que Kwon-Taek conversa com Ohwon.

Pouco depois uma jovem vendo-o pintar uma revoada de pássaros, comenta: "Estes pardais perseguidos pelo falcão lembram-me o sofrimento do povo de Gobu e sinto-me entristecer. Mas quando eles afugentam o falcão, são como que a fúria do povo em fuga e fico contente. "

Depois, fazendo amor com esta jovem, é surpreendido por rebeldes que queimam o enorme painel em que está trabalhando. Os rebeldes lhe poupam a vida por reconhecer que Ohwon é um homem de talento divino. Mas é acusado de parasita e de viver à custa da nobreza.
Jang Seung-up continuará andando, mas seu servo o deixa para lutar com os camponeses, e lhe pergunta:
— Para onde vai o Mestre? E ele responde:
— A vida é uma nuvem errante. Irei aonde me levarem os pés.

1894 Revolta dos Camponeses, muito fogo, Jang Seung-up continua andando na neve, já está com 50 anos, encontra de novo o Sr. Kim, em um campo de neve, que está fugindo do novo regime da Coréia, e se estabelece o seguinte diálogo entre eles:
Jang Seung-up
— Diz-se por aí que todos os agricultores rebeldes foram massacrados em Ugeumchi.
Sr. Kim
— Proteger o nosso país e o povo... Aí está outro sonho vazio. Quando pisados temos de clamar justiça, mas é muito importante escolher o momento certo. A Revolução acabou por abrir as portas às potências estrangeiras. Devíamos ter aguardado até estar inteiramente preparados.

Ohwon volta a Seul, encontra sua amiga católica Mae-hyang. Ao ver em sua casa um vaso de cerâmica mal acabado, volta para o campo atrás da olaria onde se fabricavam estes vasos, passa a desenhá-los em troca de comida. O filme termina com a seguinte frase:

"Ohwon desapareceu sem deixar rasto em 1897. Reza a lenda que se retirou para a Montanha dos diamantes onde se tornou um eremita imortal."

Faremos a seguir uma analise sumária desse filme e dividiremos em 4 partes:


1ª) O Pintor

Jang Seung-up começou a pintar desde cedo e logo seu talento foi reconhecido. Mesmo de origem humilde, com uma infância muito adversa, encontrou pessoas que reconhecendo esse talento o ajudaram. Não vamos nos preocupar em sua história, esta visão já está no resumo. Vamos nos fixar como vemos o personagem, sempre marginal fugindo todas as regras de condutas e olhando a arte de forma sempre inovadora.

Procurava a essência de sua terra em sua pintura, sabia que a Coréia tinha uma tradição milenar nas artes, talvez mais que a China e o Japão, mas em seu tempo, não se conformava em ver sua Coréia perder as tradições, entre as constantes invasões da China e do Japão. E quem consumia sua arte? Era a classe dominante, totalmente corrupta, sempre apoiando os invasores e os próprios invasores.

Pintou para rei, governadores e para a burguesia. Esses fatos fizeram que Jang Seung-up, se afastasse cada vez mais do convívio da sociedade. Mesmo quando fazia um trabalho e o doava a uma mulher, sabia que ela o venderia para um aristocrata. Só um pequeno servo que tinha e Mae-Hyang que guardarão os seus trabalhos doados, pelo resto da vida.

Ohwom, como batizou Sr. Kim seu protetor, andou por toda a Coréia aperfeiçoando sempre a sua pintura procurando dar vida àquilo que pintava, mas sabia com tristeza que sua obra sempre estaria isolada na mão do poder, onde o povo não teria acesso para apreciá-la.

Im Kwon-Taek faz questão de mostrar as fases da vida de Jang Seun-up, a infãncia e adolescência, fases sem compromisso, a fase adulta em que além da pintura, se preocupa com vinho e mulheres, e a fase da maturidade onde procurou encontrar sentido da sua arte, nesta fase viveu em grande parte na solidão.

2ª) O Ambiente

Aproveitando a deixa do item anterior procuraremos ver em que ambiente Jang Seung-up viveu dividindo nas fases da sua vida.

Na infância, órfão, viveu na miséria dos guetos de Seul em um ambiente inóspito.

A adolescência passou a trabalhador em serviços braçais em casas de aristocratas bem situados, o ambiente que o cercava era de grande conforto, como empregado não tinha acesso direto a estes aconchegos, mas nessa fase começou a descobrir a beleza das árvores, das águas, das flores e dos pássaros, e do amor.

Em adulto passou a maior parte do tempo entre as mulheres, o vinho e a pintura. Mesmo reconhecido como um grande talento, gastava todo o dinheiro que recebia em bebidas e farras, mas foi nesta fase começou a pensar e procurar seu estilo e se refugiava uma grande parte do seu tempo no campo. Tudo na natureza passou a ser importante, na descrição do resumo este item foi bem detalhado.

Na maturidade, seus amores passaram a ser, mais suaves. Andar pelo campo além de apreciar os fenômenos sempre novos natureza, fugia da sociedade dominada por homens corruptos, e oficiais de exércitos que não eram da sua terra, a Coréia, que estava em constante domínio da China ou do Japão, enquanto o povo passava fome e os camponeses eram massacrados.

Com a fama que tinha, com seus quadros valendo fortunas se isolou. Nesta maturidade o fogo passou a ser uma constante, os trabalhos que não o satisfaziam eram rasgados e queimados. Os camponeses em revolta aparecem andando com tochas, como se fosse uma grande procissão. A tomada é de longe é só se conseguem ver as tochas de fogo.

No final trabalhou em uma olaria como um simples pintor de vasos de cerâmica em troca de comida. Desapareceu no campo sem deixar vestígios.


3ª) Suas Mulheres

Elas foram importantíssimas na vida de Jang Seung-up. A primeira a que ele se refere foi a que cuidou dele como um irmão mais novo quando era mendigo. Ela era maltratada, sujeita a coisas "nojentas" por um mendigo com quem vivia como disse para o Sr. Kim. Este mendigo Jang Seung-up retratou nesta fase. Falemos agora das outras mulheres.
So-woom

Irmã do Sr. Lee foi sua primeira paixão, sentida de longe. Uma pequena aproximação se deu em um dia que estava a pintar uns pássaros, com a mão machucada depois de apanhar de outros servos do Sr. Lee, que achavam que ele como pintor se considerava superior a eles, ouviu uma voz que vinha por trás dele dizendo:

— O desenho é tão real, que o pássaro parece prestes a levantar vôo!
Era So-woon que olhando para Jang Seung-up observa
— Estás magoado! Na mão também! Essas mãos tão talentosas.

Pouco depois So-woom se casa com um outro aristocrata, e Jang Seung-up sai da casa do Sr. Lee Tempo depois ele o chama para pedir ao pintor que satisfaça ao último pedido de So-woon e lhe faça um desenho. Jang Seun-up assiste a sua morte, sem nunca poder satisfazer esse seu amor, e vai embora pelo campo e se ouve a seguinte canção:

Isto é
Uma despedida
Isto é
Uma despedida
Adeus
Ao meu amor
Se tens mesmo de ir
Diz-me
Quando voltas.

Mae-hyang

Uma kisaeng (geixa coreiana), católica, que toca oboé, vive com ela certo tempo, pinta-lhe em uma capa de seda uma arvore florida e diz cantando
"A ameixoeira
Florece só para ti"
Ela responde:
— Diz-se que as flores da amendoeira não devem vender o seu perfume. Envergonho-me daquilo que sou.

Com a perseguição dos católicos Mae-hyang desaparece, mas ele a encontra muitos anos depois, tocando oboé, quando é chamado para pintar o desenho com o tema "Pinheiro e a Garça" para o governador de uma província. Tem mais um caso com ela, agora escondido pois Mae-hyang não está só.

Na fase madura de Jang Seung-up a encontra de novo em Seul.. É dona de uma pequena taberna e lhe oferece para viver com ela sem se preocupar com dinheiro, só com sua pintura. Ainda guarda a capa de seda que ele tinha pintado com a ameixeira florida. Mas Ohwon não aceita ficar lá e continua sua vida errante.

Jin-hong

É uma mulher que se submete durante algum tempo a todas as bebedeiras e ausências de Jang Seung-up. Se cansa e arranja outro homem também pintor. Ohwon quando soube, vai embora, mas Jin-hong lhe pede um desenho. Ele o faz um grande painel com o tema "O Pássaro e a Flor" e vai embora. Jin-hong vende-o mal tinha secado a tinta.


Hyang-lan

Tem 18 anos trabalha como kisaeng no Salão Ramo de Primavera, filha de lavradores na província. Ohwon estranha como uma menina tão bonita foi parar em um lugar daqueles. Com esta menina, que se parece uma mulher que conheceu há muito tempo que tinha o apelido de Lee, depois de um pequeno diálogo prefere se levantar e ir embora, a possuí-la.


Kisaeng sem nome

Está com ele quando faz os desenhos de pardais voando fugindo de um falcão, ele fica encantado com esta menina que critica o governador e toda a sua família, faz com ela amor como estivesse gerando um filho que nunca teve, no final é arrancando de cima da kisaeng pelos camponeses, em revolta.

4ª) A Obra de Ohwon Jang Seung-up


Pode-se dizer que sua obra teve várias fases. Iniciou copiando os clássicos, usando as técnicas que apreendia com seus mestres.Posteriormente procurou seu próprio estilo, essa foi a fase mais sofrida mudou várias vezes, com o tempo descobriu que não bastava saber desenhar era preciso transmitir além do que via. Para melhor compreensão, reproduziremos a seguir alguns diálogos do filme que mostra a visão de Im Kwon-Taek sobre a arte de Jang Seung-up.

Primeiros ensinamentos do mestre, amigo de Sr. Kim:

—Pega no pincel como se segurasses um ovo na palma da mão. Segura-o bem com os cinco dedos. Dos dedos para o pincel, e do pincel para a folha, assim deves deixar fluir a tua energia espiritual. Primeiro delineia a "ossatura". Cada pincelada deve ter estrutura. Em segundo lugar vem o sombreado. A sombra confere a distância e dá profundidade aos objetos.
Este mestre lhe ensinou que um analfabeto não pode pintar, e lhe ensinou os clássicos.

Na casa do Sr. Lee conheceu a obra de grandes pintores chineses, passa a copiá-los. Quando Sr. Lee descobre mostra aos amigos o desenho copiado e pergunta a eles:
— Comparem estes dois. Qual deles é o original? Ele pintou-o após ter visto o original uma só vez.
Um dos presentes responde:
— Um deles não tem selo, mas aparte isso, são absolutamente idênticos.
Outro:
— Copiar a forma pouco mérito tem. Mas vejam como transpira vida! Revela um espantoso poder de observação e de memória! O original tem dois pardais, mas a cópia exibe um terceiro. Parece tão triste e solitário.

Em uma taberna quando se torna discípulo do Sr. Hyesan se estabelece o seguinte dialogo entre ele e os seus colegas da Escola de Arte da Ponte. Mongan, Dongcho e Songhyun. Este último quer aprender a pintar pássaros e flores.

Uma voz aparece sem mostrar o rosto, em seguida se vê que é do Mongan:

— Conhecem o pintor e poeta Su Tung-po? Ele diz que pintar a natureza tal como é não é por si só arte. Os quadros têm de conter os pensamentos do pintor
Songhyun diz:

— É demasiado difícil para aprendizes de pintor como nós, pintar os pensamentos que o traçado esconde. Pintar não o objeto, mas seu significado. O mesmo seguindo o lema do nosso mestre: "primeiro pensa, e só depois pinta ".

Orwon, aí só escuta, não dá opinião
Na cena seguinte seu mestre observa um desenho "Regresso a Casa":

—Pintar não é copiar aquilo que se vê! Tens que discernir a essência daquilo que vês! Sentes a diferença (diz isto comparando com outro desenho). Tu pintaste um erudito a apreciar flores em plena bebedeira. O que pensa tu sobre a expressão dele e a atmosfera deste desenho? Ele recusou-se a "comprar" uma promoção e em sinal de protesto, demitiu-se do emprego que acabara de arranjar. O "Regresso a Casa" reflete o desalento de Tão Yuan-ming. Não sentes o ambiente do poema neste quadro? A imaginação deve incendiar o pincel.As linhas encerram em si aquilo que é mais importante. A disciplina do espírito deve orientar a pintura.


Passa um tempo e Ohwon vai entregar ao mestre o seu trabalho:
— mestre terminei o "Regresso a casa". E escuta as seguintes palavras do mestre:
— Como podes dizer "terminei" de ânimo tão leve? Na arte nada está terminado.
Mais tarde bebado com Jin-Hong profere as seguintes palavras sobre sua obra:
—A fragrância das letras? A harmonia entre poesia, prosa e pintura? Palavras! Que se lixem todos! Só é uma pintura se tiver um poema?! Um quadro sabes . . . ? Se um quadro está bonito, então nada mais importa. Os estupores que não sabem pintar escrevem sempre um poema e tentam enganar as pessoas com uma filosofia de trazer por casa!

Em uma mesa de uma taberna Ohwon com amigos, um deles faz um comentário sobre um dos seus trabalhos:

— Não pode ser má, se foi pintada por Ohwon.
Outro:
— Ele copia as árvores de Guo Xi, os rochedos de Huang Gong-wang e os pássaros e flores de Lin Liang. Criar o seu próprio estilo recorrendo aos méritos dos mestres é válido.
Outro:
— não sabes que a compreensão dos clássicos exige talento?
Outro:
— Ou será a inveja que te faz falar, agora que estás bêbado?

Conversa de Ohwon com o mestre Hyesan, quando já é considerado melhor que o mestre Hyesan diz:

— Levanta-te. Não está aqui em causa eu perdoar-te. Isto mostrou simplesmente que as pessoas te consideram melhor que eu. A cor azul vem do índigo e é mais bela que o próprio índigo. Todavia, sem o índigo não se pode fazer o azul. Do mesmo modo, para bem daqueles que hão de vir depois de ti, sê como o índigo.

Conversa na fase madura com Sr. Kim, exibindo para ele um trabalho recente seu e Sr. Kim diz para Ohwon:


— A composição e a estrutura estão bem. A escolha das cores é harmônica. E no que toca a semelhança, o teu toque talentoso é absolutamente perfeito. Contudo, está na altura de criares as tuas próprias pinturas, imbuídas no teu espírito e da tua alma.

Ohwon:

— Eu também queria mudar. Quero mesmo mudar. As vezes, nem consigo dormir, só a pensar nisso. Faz-me ferver o sangue! Nem imagina o que sinto quando pinto por encomenda!
Sr. Kim:
— Quando o teu trabalho te desagradava, rasgava a folha num assomo de fúria! Como podes usar uma desculpa tão esfarrapada? Um quadro pintado com o intuito de obter elogios e lucro imediato, é um quadro morto. Nasce morto asseguro-te.


Ohwon dando aula:

— Reparem naquela pedra preta. Mexe-se ou não? Até uma humilde pedra deve estar viva aos olhos do pintor. Se uma pedra estiver viva, é dinâmica; se estiver morta, está estática. Não se pode pintar uma pedra morta. Conversando com Sr. Kim que está adoentado e este fala:
— A autenticidade da pintura coreana jaz no seu realismo. Mas os teus desenhos são demasiado irrealistas. Não representam a realidade exageram-na; não exprimem verdadeiros sentimentos, e sim infantilidade. Não podes pintar a miséria que o povo deste país vê?
Ohwon:
— As pessoas não tem nada que as console. Se eu puder animá-las pintando uma paisagem fantástica, não estarei também a cumprir o meu dever? Um desenho é um desenho. Não pretendo mudar o mundo como o Mestre e os seus reformistas.

Em casa de Mae-Hyang em Seul, Ohwon, bem velho, mantém com sua amiga este diálogo sobre um jarro de cerâmica diz:
— Aquele jarrão. Onde encontraste um jarrão tão insípido e banal?

Mae-Hyang responde:

— Foi feito por uma mão modesta, que seguiu os caprichos dum coração simples. Parece inacabado, mas é uma obra delicada e quente.

Depois deste dialogo Ohwon se retira de Seul para nunca mais voltar, mas ainda trabalha em uma olaria pintando, com as mãos tremulas, jarros, que precisam ir ao fogo para estarem prontos para venda. Nestes jarros seus desenhos são bem simples e contém a essência de toda a sua obra.


Neste filme Im Kwon-Taek coloca todo o seu amor à Coréia, e se mostra triste ao ver que seu pais nos últimos 200 anos, nunca pode ter sua própria identidade, sempre invadido ora pela China, ora pelo Japão e hoje depois da guerra da Coréia de 1950 a 1953 pelo EUA. A Coréia do Sul, separada até hoje da Coréia do Norte, tem sua independência mas seus costumes e tradições, cada dia estão mais esquecidos.

Para enriquecer nosso blog postaremos as notas abaixo escritas pelo próprio diretor do filme.

Nota de intenções por Im Kwon-Taek - foto ao lado

(Este material está no site da Atalanta filme:

http://www.atalantafilmes.pt/2003/embriagado/Embriagado.doc )

O nome Won é o nome dos famosos pintores Danwon e Hyaewon. Jang seung-up, cujo nome é “oh-won”, é um dos três pintores famosos “won” da arte coreana. É um dos melhores pintores da dinastia Joseon e as pessoas olham para os seus trabalhos como se tratassem de obras divinas.

Apesar de ter vivido há cem anos, as suas magníficas dádivas ainda não nos permitiram compreender como foi realmente a sua vida. O seu trabalho nunca foi suficientemente analisado. Esta história começa com uma simples curiosidade sobre um pintor genial que viveu uma vida pouco normal.

Há três elementos principais no filme:

Primeiro, o final do século XIX foi uma época extraordinária; segundo, Joseon, uma região no Nordeste asiático; e Jang Seung-up, que nesta época e neste lugar se tornou um pintor famoso, mesmo pertencendo à classe baixa. Estes três elementos estão fortemente interligados e explicam-se uns aos outros no filme.
Jang seung-up é conhecido como um homem livre que viveu segundo as suas normas e não se preocupou com nada, mesmo com as ordens do Rei. Era conhecido pelas suas pinturas extraordinárias, quando estava rodeado de vinho e de mulheres. Mas eu não o vejo assim. Acho que eram apenas formas de exprimir a sua profunda angústia para manter um espírito artístico num mundo tão negro. Sentia na sua vida esforços desesperados para ultrapassar os limites. Estava orgulhoso dos seus trabalhos, mas ao mesmo tempo torturava-se para atingir um nível de perfeição nunca antes atingido. E essa é a razão principal para eu ter feito este filme.

A outra prende-se com o facto da estética das pinturas tradicionais coreanas serem enquadradas nas pinturas da Ásia Oriental. Devido à modernização, que leva muitas vezes à negação das tradições, a estética e o espírito das pinturas coreanas estão a ser esquecidos. Tento encontrar através dos meus filmes a estética e valores da arte coreana. O "Pinceladas de Fogo" é uma experiência que resulta da combinação entre a realização e a narrativa tradicional coreana, através de elementos visuais das pinturas tradicionais coreanas. "Pinceladas de Fogo" é uma análise dolorosa de como julguei a natureza e a história em que nasci e tenho vivido e que filmei com uma câmara enquanto realizador. É também uma dedicatória aos esforços de um artista para suportar uma realidade brutal com o objectivo de se encontrar. Acho que o “mestre embriagado de pintura”, Jang Seung-up, que encontrei espiritualmente enquanto preparava este filme, é uma sombra minha que continuo a lutar pela arte com uma câmara como ele o fazia com o pincel há 100 anos.

Há poucas informações sobre a vida de Jang Seung-up. A única coisa que se sabe é que gostava de mulheres e de beber e que era um génio. No entanto, tínhamos de dar-lhe vida, por isso precisávamos de pensar bastante nisso. Se tínhamos de pôr elementos dramáticos na sua história e já que se iria tornar ficção, a única solução era inventar a história. Encontrei Jang Seung-up, pensando como um pintor poderia ter vivido a sua vida numa altura difícil. Se fosse um drama forte, seria fácil para o realizador. Mas, ao contrário, mostrar a sua vida de forma realista e perceber como tornar o filme poderoso é muito complicado. Por isso pensei que força poderia dar ao seu quotidiano. Para atingir este objectivo percebi que teria de transformar a sua vida na de uma pessoa que luta diariamente. Mostrar ao público este tipo de vida não é fácil. De todos os meus filmes, quis que este fosse o mais poderoso. Pelo menos, tentei.

O que me interessava era mostrar como a natureza na nossa adolescência, meia-idade e velhice muda. Com esta ideia em mente, o filme foca-se em como Jang Seung-up torna esta natureza em mudança sua e como ele se desenvolve enquanto pintor. Os quadros também são um conceito. Ao olhar para uma montanha e sentir-se algo, quis mostrar como a natureza muda e a interiorizamos. Para Jang Seung-up, esta natureza torna-se parte dele e ele conceitualiza-a enquanto artista. Para o filme, o artista KIM Sun-doo criou imitações das pinturas de Jang Seung-up e eu vi-o criar estas pinturas. Percebi então que as paisagens de Jang Seung-up não eram meras imitações das pinturas chinesas mas sim esforços de maximizar os aspectos bons da natureza.

Jang Seung-up era orfão e deambulou até se encontrar num mundo de pintor, em que criou o seu próprio mundo. Acho que tenho uma vida semelhante à dele, ao chegar à realização e encontrar-me nos meus trabalhos. Talvez seja essa a razão para ter encontrado coragem de fazer este filme.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

"Im Kwon-taek tem aproximadamente 100 filmes. Tendo nascido em 1936. Tendo começado a dirigir filmes em 1962, rodou ininterruptamente diversos filmes por ano, a grande maioria entre os anos 60 e 70 ("apenas" 22 películas de 1981 pra cá). Apesar de um pequeno reconhecimento internacional em Berlim em meados dos anos 80, quando levou dois de seus filmes para a Berlinale (Gilsottum, 1985, e Shibaji, 1986, prêmio de interpretação feminina para a atriz Kang Soo-yeon, a atriz mais conceituada da Coréia), seus filmes nunca tiveram uma recepção grande fora dos festivais, ficando restritos a uma audiência de arte dentro de seu próprio país. Foi com a vitrine de Cannes e a surpreendente beleza de Chunhyang – Amor Proibido, em 2000, que Im Kwon-taek foi reconhecido tardiamente por seu cinema. Nesse filme, um canto de pansori dá origem à história de amor da jovem que dá título ao filme. Já está presente em Chunhyang a metamorfose das outras artes em cinema, assim como o poder ficcional dessas próprias formas de arte: o pansori faz nascer um relato, e o filme nada mais é do que seu fiel seguidor. A precisão no senso de enquadramento assim como as extraordinárias cores do filme davam a impressão que estávamos diante ou de um grande artista ou, ao menos, de um excelente prestidigitador dado à estetização fácil. Com Pinceladas de Fogo, tudo que tem a se dizer é que qualquer dúvida vai por água abaixo e não há o menor motivo que seja para não considerar Im Kwon-taek como uma figura de proa no cinema contemporâneo e clamar aos céus com todas as forças para que um dia seja possível assistir a uma retrospectiva – se não completa, o que é aparentemente impossível – compreensiva de sua obra para termos enfim a dimensão exata de sua produção e desses filmes tão soberbos no contexto de seus filmes (ao menos um, sabe-se, também baseia-se no pansori: Sopyonje, de 1993, tido como seu melhor filme e um clássico recente do cinema coreano).
Se Chunhyang trazia alguma suspeita pelo mundo de imersão em beleza que nos mostrava, Pinceladas de Fogo elimina qualquer suspeita quanto a isso. Seu personagem principal, o pintor Ohwon, vive numa vida de completo descaminho. Ele só tem três afecções no mundo, ou melhor, uma só, que se divide estranhamente em três diferentes tipos de expressão: a pintura, o sexo (as mulheres) e a bebida. Mas todas são uma só e intercambiáveis: lá pelo segundo terço do filme, ele precisa fazer uma pintura para o monarca mas não consegue porque não tem ereção alguma (o estímulo da pintura é da mesma natureza que o estímulo sexual); em outra ocasião muito semelhante, a sobriedade não lhe dá inspiração alguma para pintar uma tela. Pinceladas de Fogo é muito menos um registro histórico sobre a vida de um pintor real do que a entrega apaixonada de um diretor de cinema a um determinado modo de viver/produzir que se confunde a ponto de não ser mais possível reconhecer onde um começa e o outro termina. Ohwon assemelha-se muito à própria forma do filme: difícil (não há aparentemente nada que guie o olhar do espectador além das três afecções do personagem, mesmo que outros temas – e importantes, como a história coreana – surjam na tela), apaixonadamente instável e imprevisível, mas acima de tudo cativante por seu mistério. São poucos os filmes como Pinceladas de Fogo a pedir a seu espectador uma imersão total em seu universo; mas a recompensa prometida a quem desejar segui-lo estará lá, ao fim.
Pinceladas de Fogo, à imagem e semelhança de Ohwon, tem uma sinuosidade íngreme e uma imprevisibilidade de percurso que tanto assusta quanto fascina. À linha reta da trama se substituem outras linhas, muitas até, mas que teriam que ser medidas antes por um contador geiger; jamais por uma régua ou um esquadro. Por mais que escolha o relato biográfico para estruturar sua narrativa – a infância, a descoberta do talento para a pintura, as diferentes fases de aprendizagem, o domínio da pintura e de seus meios de expressão, etc. –, as escolhas de Im Kwon-taek jamais condicionam o espectador a seguir sua vida como uma linha reta. Ao filmar somente nacos de tempo levemente dissociados uns dos outros, mestre Im nos joga diante de uma montanha-russa de sentimentos, com aclives e declives pronunciados e inesperados a cada momento (uma montanha russa que fosse tão escura e misteriosa quanto um trem fantasma)
Ohwon viveu num período conturbado da história coreana. Por sua vida passaram diversas revoluções, entre as quais uma revolta de camponeses decisiva na história recente de seu país. O filme, como seu protagonista, acompanha todas esses rearranjamentos de poder e expressão política, mas de longe, como pano de fundo. Pinceladas de Fogo está longe de ser um filme-painel, assim como também está muito distanciado do padrão de filme sobre artistas. Está muito mais próximo daqueles filmes que, ao tomar um artista como ponto de partida, decidem evoluir sua arte a partir deles. Tal como Van Gogh de Pialat (filme, aliás, com o qual Pinceladas de Fogo mais se parece, pelo acompanhamento bruto de seu personagem pelo diretor e pela filtragem semelhante por seus diretores das sintonias existenciais entre os dois artistas retratados), o filme é mais uma homenagem à arte do que ao artista. E não há melhor homenagem à arte do que fazer uma grande obra de arte. Im Kwon-taek pode ter certeza de que realizou uma.
Sendo um filme apaixonado sobre um excessivo e apaixonante personagem, Pinceladas de Amor afasta-se do relato biográfico e transforma-se em canto mítico com muita facilidade. É assim, talvez, que duas grandes cenas devam ser compreendidas (talvez elas constem da história oral e da boataria oficial, talvez sejam pura imaginação do diretor; em todo caso, tanto faz). A primeira é a do coito interrompido que vai fazer com que o sangue do artista jamais ganhe uma outra geração (ele é preso pelos guardas segundos antes de ejacular); a segunda é sua última obra, que equivale a seu suicídio: em dúvida sobre se o fogo alterará ou não a pintura em cerâmica que ele fez – o que seria inaceitável para um artista tão teimoso, desafiador e ávido por ver impressa a sua vontade nas obras que produziu – ele entra no forno mesmo sabendo que esse será seu último gesto (segundo os relatos oficiais, Jang Seung-up/Ohwon apenas desapareceu). Ao fim, o pintor vence: a cerâmica resistiu e a pintura lá permanece. Em todo caso, o elemento fundamental da pintura está impresso do primeiro plano ao último: uma mão que segura um pincel, um pincel que toca uma superfície, uma superfície que aceita ser marcada, uma impressão que se marca, um signo que se cria, transforma e, ao contato com os olhos dos observadores, emociona. Pinceladas de Fogo começa com o instante fugaz de um toque de pincel no papel e termina com a superfície da cerâmica marcada. Entre as duas imagens, passa a arte e a vida de um personagem irredutível, onde pouco importa o que é mito ou não (imprima-se o mito, dizia Ford), desde que a expressão seja alcançada. Em Pinceladas de Fogo, foi. Nosso herói beberrão, mulherengo, imprevisivelmente violento e genial conseguiu. E já não sabemos mais se trata-se de Ohwon ou Im Kwon-taek. Vai tudo em bloco."
Ruy Gardnier (Revista Contracampo)

quinta-feira, maio 01, 2008  
Anonymous Anônimo said...

Mais uma boa e detalhada autópsia de filme!
O material está excelente e não poderia ser mais esclarecedor. Os diálogos escolhidos são precisos, pois comportam a essência do filme. Pinceladas de Fogo aborda a questão da arte e do artista dentro do seu ambiente. Jang Seung-up tenta se manter à margem mas é constantemente atravessado pelos acontecimentos políticos e sociais. O pintor, porém, nunca perde de vista sua verdadeira arte. Seus desenhos parecem extensão das suas vísceras, dos seus órgãos, de sua força vital. O pintor não é meramente um reprodutor de imagens, tem que "transmitir além do que vê".

segunda-feira, maio 12, 2008  

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