Cineclube Polytheama

domingo, julho 17, 2005

Uma Mulher sob influência

Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under The Influence – USA – 1974 – 155 min.)
Escrito e Dirigido por John Cassavetes, Elenco: Gena Rowlands, Peter Falk, Fred Draper, Lady Rowlands, Katherine Cassavetes, Matthew Laborteaux, Matthew Cassel, Cristina Grisanti, James Joyce, John Finnegan, O. G. Dunn, Mario Gallo.

Crítica de Pedro Passini:

Sobre homens, bichos e vegetais.

O filme de ontem, Uma Mulher sob Influência, me fez acordar pensando neste velho título, daí o interesse em compartilhar com vocês alguns sentimentos, representações e cortes no tempo.
Senti o filme como uma pura incursão/exposição de Cassavettes à espécie e tragédia humanas e para isto lhe bastou apresentar alguns exemplares:
- a da grande coletividade dos convencidos, o pai, as mães, o médico, as mulheres sem-relógio, todos trazendo as marcas dos vividos. O tempo passou por eles e os transformou em homens-vegetais, não se movem um milímetro fora do campo em que após semeados, foram regados e convenientemente adubados - não há emoção que os demova. Como num campo de trigo aprenderam a curvar-se ao vento para não serem arrancados e são absolutamente iguais, silenciosos. É claro que mesmo este campo tem seus líderes, as espigas mais altas, as torres de representação, que assobiam e cantam as canções deste campo – no filme este o papel da mãe, disposta a comer pelas raízes quaisquer ervas daninhas que brotem por ali. São mais velhos, foram expostos mais tempo à coordenação geral da cultura e civilização.
- a da não menor coletividade dos homens-bichos, dos homens em amestração, representados pelos companheiros de trabalho de Falk. São os homens em transformação. Vivem a coletividade-bicho imersos na lama, poeira e fog do dia-a-dia. Tem ainda alguma força e esta vem da afirmação de alguma diferença um em relação aos outros. São potentes na medida em que conseguem ainda se diferenciar nas brincadeiras, nas provocações. Alguns ainda se lembram de velhas travessuras, são capazes de cantar as canções ou de se recordar de como era a praia da infância. Não sabem, mas vão firmes para a coletividade dos convencidos.
- Rowlands e Falk são diferentes. A sua humanização parou aonde suas intensidades determinaram. Não há força ou acontecimento que os consiga colocar definitivamente na rota traçada. Por maiores que sejam os choques do dia-a-dia, literais ou não, a intensidade acaba prevalecendo. A sua relação com as outras coletividades, entre eles e consigo mesmo é de caráter imprevisível e “inoportuno”. Engraçado é que também querem converter os homens-bichos, trazem todos para almoçar, botam todos para cantar e falar. Rowlands e Falk se reconhecem mutuamente neste papel, daí o eterno reencontro expresso num piscar de olhos, ou num te-amo, após suas derivações. Foram feitos um para o outro, dificilmente deixarão de morrer ou serem mortos em outra forma. Falk, por estar na rua, aprendeu um pouco mais a se virar com as outras coletividades. Não vai pirar nunca, a menos que não tenha mais o escape que Rowlands lhe proporciona. Em Rowlands, pobre Rowlands, cai o peso todo. Vive o contraditório do deixo-não deixo, faço-não faço, sou-não sou. É a pura intensidade não amestrada, a criança adulta. Ficou só na solidão. Só consegue se reconhecer nas crianças e nos momentos de confronto louco com Falk. A intensidade trabalhou seu corpo solitário, transformou seus gestos e ações a ponto de torná-los reconhecíveis como de demente.
- por fins, as crianças, às quais Cassavettes atribui os únicos olhares ainda sãos. Já conhecem todos os caminhos possíveis, a mãe, o pai, a escola. Como e de que forma se deixarão, ou não, levar?
Quero acrescentar que não vi nenhum herói, nenhum exemplar a ser seguido. Só tragédia, tragédia e tragédia. Me parece até que as coisas são tão bem organizadas a ponto de que, se tivermos, como as crianças, que escolher entre as opções, a do homem-bicho tem lá as suas vantagens.