sexta-feira, abril 29, 2005

Rashomon

Rashomon - Japão - 1950 - 88 min.
Direção: Akira Kurosawa
Elenco: Toshiro Mifune ........Tajomaru
Mashico Kyo.............Masako
Masayuki Mori.........Takehiro
Takashi Shimura......Lenhador
Minoru Chiaki..........Monge
Kichijiro Ueda..........Andarilho
Fumiko Honma .......Medium
Daisuke Kato.............Polícia
Rashomon , o título soa exótico e voltamos à 1950, Japão. No entanto nenhum detalhe no filme o situa cronológicamente. Sabemos apenas que a história se desenrola em um passado distante, o ambiente das filmágens é onírico, chove muito, toda a ação se dá em uma floresta exuberante, quase tropical, que alguns ilustres membros de nosso cineclube lembraram tratar-se, talvez, da floresta do paraiso perdido, aquela mesmo do pecado original. Mas isso pouco importa. Kurosawa não aspira a fazer um filme histórico, lírico, épico – bem que haja algo de épico nas lendas de samurais – mas essencialmente filosófico. E a questão que coloca não é nada menos do que a busca da verdade; como a realidade é percebida, entendida pelo olhar dos homens, olhar quase sempre incompleto, parcial, deformador: Um mesmo acontecimento é narrado por 4 individuos sendo que um deles é o próprio participante. Nenhuma versão coincide. E isso por si só seria inquietante, trágico, se Kurosawa não fizesse desta complexidade um jogo de sombras visando a mostrar ao espectador o quanto o ser humano é capaz de inventar, mentir exagerar, talvez não totalmente conscientemente, mas até para preencher as lacunas que ele próprio encontra na sua percepção do mundo exterior. O medo do desconhecido, do inexplicável – orígem das religiões ? – faz com que o indivíduo “complete” com elementos próprios, criados, muitas vezes fantasiados, a SUA versão da complexidade que o cerca. Mas o fato desta versão ser racionalmente apresentável não significa necessariamente que ela seja verdadeira. E Kurosawa, com grande talento de prestidigitador nos conduz a essa conclusão. Como ? Usando e abusando de inúmeros recursos de “distanciamento”. São eles desde elementos da cultura ocidental moderna como teorías psicanalíticas , uma versão adaptada do Bolero de Ravel, até valores impensáveis, estranhos à cultura oriental como a pusilanimidade de um Samurai diante do estupro de sua noiva ou sua própria inhabilidade no manejo das armas.
Kurosawa caricaturisa cada versão ao extremo tornando-a explicitamente indefensável. Por outro lado, a introdução de tantas contradições quais sejam oriental/ ocidental, moderno/ tradicional, universaliza a problemática e nos preserva do fácil recurso ao exotismo. Kurosawa nos diz claramente: “Atenção, isso tudo é pura fantasia, exagêro, sem nenhuma credibildade !”.
Um outro aspecto desta ridicularização dos valores tradicionais da sociedade japonesa feudal – o samurai, a grande dama, o guerreiro bandido – pode ser entendido como uma crítica ao conservadorismo e mais essencialmente ao militarismo japonês, diretamente inspirado do mito de bravura e dignidade do samurai.
A chuva que pontua cada versão contribui na sensação de indefinição, de perplexidade, estamos em pleno reino do sonho, nada está claro, uma espessa bruma vela os olhos dos participantes e os impede de ver as coisas como elas são.
Haveria um desígnio claro de cada narrador de proteger seu companheiro ? Seriam todos eles cúmplices do crime que dá vazão à trama? É uma hypóthese a ser considerada com atenção. O ano é 1950, estamos em pleno início da guerra fria e o humanismo de Kurosawa não é refém de uma simplificação ao extremo da poderosa máquina de guerra, associando-à simplesmente à estratégias nacionais. Acabaram de ser descobertos os horrores do Holocausto e há um questionamento sobre o grau de responsabilidade coletiva de toda uma sociedade. O que acontece na Alemanha é verdadeiro tambem no Japão cuja dimensão dos crimes de guerra só é bem avaliada pelos países que os padeceram. O debate continua aberto até hoje com a China temendo o ascenso do nacionalismo japonês no cenário internacional.
Mas voltemos ao filme. Kurosawa não fica satisfeito em nos colocar a questão da busca da verdade. Com efeito, a verdade seria a de cada um, segundo sua própria subjetividade? Ou existiria enquanto ente com existência própria, longe dos devaneios dos homens, condicionando suas vidas, ultrapassando sua pequenez; uma verdade maior do que tudo, carregando não só a história – a dos homens – mas sendo a História em si, segura em seu movimento continuo, avançando por sobre contradições e as resolvendo em sua marcha inelutável?
Kurosawa, enquanto bom oriental, nos apresenta apenas pistas sutis, traços de resposta mas que deixam clara sua posição. À chuva segue a claridade do aparecimento do sol. A volta à realidade é marcada pelo aparecimento de um bêbê, que faz com que os homens deixem suas obsessões oníricas e passem a agir frente à situações muito concretas da vida. O egoismo de um dos homens que pega para si a manta do recém nascido é largamente compensado pela solidariedade de um outro que resolve adotá-lo malgrado sua numerosa família e suas condições modestas. Fim por demais trivial, banal frente à toda a seduçaõ do sonho ? Talvez . Resta que das oposições Chuva / Sol, Sonho / Realidade, Kurosawa marca sua posição em favor destas últimas.
Nos tempos atuais em que a própria História enquanto disciplina é posta em questão pela preponderância “Das histórias”, o filme mantem a sua imensa atualidade.

1 Comments:

Blogger Cineclube Polytheama said...

Rashomon – Para muitos o melhor Kurosawa, sem dúvida um belo filme, convém lembrar que é de 1950, e verificar como foi usado no cinema depois. Falemos sobre o filme ou melhor dos seus personagens: 1)Tajomaru um bandido famoso que fala ter matado Takehiro, um samurai, depois de possuir sua mulher. Ele diz isto se vangloriando que tinha matado um samurai depois de fazer amor com Masako e que ela se entregou a ele apaixonadamente. 2) Masako conta que matou Tekehiro depois que foi estuprada por Tajomaru e que o marido nada fez para protege-la. 3) Takehiro conta se vangloriando, que cometeu haraquiri, depois que perdeu o duelo para Tajomaru e teve que assistir o estupro de sua mulher. 4) O lenhador, conta que de fato, teve o duelo, vencido por Tajamaru, que estuprou Masako e assassinou depois Tekehiro, mas não fala que roubou os pertences de Takehiro.

Kurosawa relata o mesmo fato, contado de 3 formas diferentes pelos envolvidos, sempre o narrador procura enaltecer os seus próprios atos, de forma que considere mais brilhante para si mesmo, e o quarto personagem, o lenhador, que tudo observou conta o que ele parece ter visto, mas omite o seu roubo.Pode-se afirmar o que aconteceu? Deixo isto para os historiadores.



Como linguagem cinematográfica, o filme é brilhante desde o início na chuva quando começam os relatos, passando por dois duelos maravilhosos e um final coerente como em toda obra de Kurosawa.

domingo, maio 01, 2005  

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