quarta-feira, março 23, 2005

Ensaio de um crime

Ensaio de um Crime (Ensayo de un Crimen – La Vida Criminal de Archibaldo de la Cruz) – México - 1955

Direção : Luis Buñuel

Elenco : Miroslava Stern(Lavínia); Ernesto Alonso (Archibaldo de la Cruz); Rita Macedo (Patrícia Terrazas); Ariadna Welter (Carlota Cervantes);
Eva Calvo (Mãe de Archibaldo ); Enrique Diaz "Indiano"(Pai de Archibaldo)
Música original : José Perez
Fotografia : Agostín Jiménez





Vou começar a falar deste filme pelo seu final, mas precisamente 15 dias depois do encerramento das filmagens. Miroslava Stern, no dia 10 de março de 1955 se suicidou, exatamente há 50 anos atrás, com uma superdose de medicamentos. Foi encontrada morta, em sua cama, com o retrato do toureiro Luis Miguel Dominguin. Seu corpo, a seu pedido, foi cremado.

No filme, Archibaldo de la Cruz, incinera um modelo de cera de Lavínia personagem interpretado por Miroslava. Coincidência. Talvez. Mas muito macabra.

Fora este fato, acredito que o filme foi feito para atender ao público mexicano da época, uma tragi-comédia com dose de sentimentalismo lacrimejante.

50 anos depois, podemos ver uma obra-prima, com discussões sobre vários temas, desde a influência nefasta de uma mãe ausente, a riqueza da liberdade da imaginação sobre a pobreza da realidade.

Não li o livro, de Rodolfo Usigli, em que se baseou o filme, mas sei que este não aceitou o filme, reclamou que sua obra tinha sido modificada na sua essência, mas Buñuel deve ter alterado para melhor. O filme é cheio de sutilezas, todas as cenas são imprescindíveis, nada é gratuito e o mais importante é a presença constante de um estilo, Luis Buñuel.

Analisando os personagens: Archibaldo De La Cruz; ricaço que ocupa seu tempo como ceramista, leva uma vida mundana, freqüenta bares da moda e cassinos clandestinos, mas deseja uma mulher pura e casta como esposa. Lavínia, jovem bonita, com um namorado bem velho, que dá a ela mimos, mas trabalha como guia turístico e como modelo. Carlota, candidata a ser esposa de Archibaldo, tem aparência de pureza com uma grande fé religiosa, mas na realidade tem um amante, o arquiteto Alessandro Ribas, casado. Patrícia, uma jovem que vive com um senhor, que a satisfaz pagando todos as suas extravagâncias, inclusive jogo no cassino. A mãe de Archibaldo, uma linda mulher que está interessada na vida mundana da alta sociedade, casada com um homem bem mais velho (pai de Archibaldo), contratou uma preceptora exigente para cuidar do filho. O filme se desenvolve em torno do envolvimento, destes personagens com Archibaldo.

Buñuel desenvolve a história, com toda a irreverência comum em todos os seus filmes, fazendo que o espectador fique esperando que os planos macabros do personagem principal, deem certo, o que realmente não acontece.
Todos os personagens são vis, mas no final Archibaldo se recupera e como Carlitos do Chaplin, sai feliz com a alma renovada.

A crítica à igreja católica, comum na obra de Buñuel, está muito presente, quer no personagem da irmã de caridade que lhe atende no hospital, que morre caindo em um poço de elevador, ou na falsa santidade de Carlota e até no nome do personagem principal Archibaldo de la Cruz.

1 Comments:

Blogger Roberto said...

Uma pequena contribução, que tem a ver com a psicodinâmica de Archibaldo. Julio falou aí em cima em “mãe ausente”. Perfeito, e são tantas as formas de ausência, desde a morte de um dos pais, até a falta de afeto e interesse pelo filho (um exemplo excelente de uma situação dessas está em “Questão de Imagem”, de Agnès Jaoui, em cartaz, um filme delicioso sobre ética nas relações humanas). Entre todas essas formas de ausência, temos a mãe de Archibaldo. Pode até ser que amasse profundamente o filho, que convivesse bastante com ele, que o cumulasse de carinho, o que é ótimo. Mas tinha uma deficiência essencial: não era capaz de exercer a parte da função materna que corresponde à colocação de limites, ao estabelecimento da frustração, e à dor que isso provoca na criança, mas que a apresenta gradativamente à realidade. Era, portanto, parcialmente omissa. Ausente, portanto. Uma forma de omissão, ausência, falta, muito peculiar, pois ao ser absolutamente tolerante, dadivosa, permissiva, torna-se extremamente sedutora. E sedução, para uma criança, é uma coisa muito, muito complicada, porque são feitas (ou incentivadas as fantasias de ) promessas que a mãe não poderá cumprir. Talvez com o marido, mas não com o filho. Essa equação de afeto, sedução, promessas não cumpridas,pode aprisionar a criança numa ambivalência de amor (pelo afeto recebido) e ódio (pelas decepções) que a leve, ao longo da vida, a uma compulsão à repetição na busca de substitutas da mãe,tanto para descarregar o ódio quanto para tentar receber o que há tanto é esperado. Eis Archibaldo.
Felizmente Buñuel optou pela comédia, senão teríamos um cortejo de “mães” mortas, de “matricídios” cometidos; e ele mesmo se encarregou de mostrar que a pessoa pode se libertar desse tipo de jugo. Algo muito semelhante ao mostrado por Proust, com extrema sensibilidade, no epísódio do sabor das madeleines embebidas em chá; quando consegue se lembrar que lhe eram dadas não pela mãe, mas pela tia, rompe o encarceramento na relação com a mãe, admite que outras pessoas podem também ser importantes e fonte de prazeres, e se abre para o mundo. Assim Archibaldo, quando atinge o limite de saturação, consegue realizar o matricídio simbólico, o afogamento da boneca da caixa de música, dando ao filme o happy-end chapliniano.

sábado, abril 02, 2005  

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